Vape está na 4ª geração e é o mais viciante até o momento – Vamos conversar sobre isso?

O uso do cigarro eletrônico, conhecido como vape ou pod quadruplicou no país nos últimos quatro anos, especialmente entre adolescentes. Não há dúvidas sobre os efeitos nocivos destes apetrechos eletrônicos. O uso prolongado pode levar a doenças respiratórias, doenças cardiovasculares e problemas de saúde mental. Nas novas versões dos cigarros eletrônicos foi acrescentada a substância “sal de nicotina” que potencializa a absorção dessa substância pelo organismo e ajuda a criar dependência. Atualmente o assunto é considerado uma questão de saúde pública e as escolas não podem se omitir de conversar sobre isso.

Nos estados Unidos a Food and Drug Administration (FDA) e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) divulgaram os resultados de sua Pesquisa Nacional sobre Tabaco para Jovens, observando que 3,3% dos estudantes do ensino médio (380.000 indivíduos) em todos os EUA estão usando ou usaram cigarros eletrônicos. Esta estatística sugere que as escolas secundárias de todo o país estão a lidar com esta questão.

E aqui no Brasil não é diferente!

Pergunto, como estamos enfrentando essa questão por aqui?

(   ) Melhor não falarmos sobre isso: é problema para os pais;

(   ) Devemos trabalhar juntos escola e famílias;

(   ) É uma questão para ser debatida junto com os jovens antes de mais nada!

Qualquer das opções acima pode ser verdadeira, mas só a última pode ser considerada verdadeiramente restaurativa!

Na Justiça Restaurativa e, segundo a teoria da disciplina social, a ideia é sempre fazer as coisas “com os outros”, incluindo no debate e na tomada de decisões os que estão verdadeiramente envolvidos no assunto.

Foi nessa linha que uma escola americana de Nova York envolveu seus alunos para ajudá-los a encontrar soluções. Utilizando círculos de construção de paz, os professores puderam iniciar conversas com os alunos sobre os perigos do cigarro eletrônico envolvendo-os em ações concretas para enfrentar o assunto.

A iniciativa antivaping da escola começou com círculos realizados nas turmas do 8º ano, abordando os perigos do vape para aumentar a conscientização e educar os alunos. Os círculos tiveram como objetivo conscientizar os alunos sobre o assunto através de relatos e histórias pessoais de cada um.

Alguns estudantes expressaram o seu interesse no uso do vape como uma ferramenta social, alguns descreveram como um estimulante, alguns transmitiram os seus receios em relação ao uso e todos tiveram oportunidade de expressar seus sentimentos e necessidades em relação ao assunto.

Com a intenção de formar uma equipe antivaping em toda a escola, foi realizada uma pesquisa com os alunos para identificar os interessados. Após discussões durante a segunda rodada de círculos, foram escolhidos alguns alunos da 8ª série para servir como líderes de pares para a iniciativa. Esses alunos criaram um plano de intervenção liderado pelos próprios alunos para o resto do ano letivo. O plano envolveu o treinamento da equipe para conversarem com os colegas da 6ª e 7ª série durante os períodos restaurativos, aumentando a conscientização de que “fumar vape não é legal”.

Aproveitando caminhos mais criativos para espalhar suas mensagens de conscientização, a escola realizou um concurso de pôsteres em todo o prédio sobre os perigos do vape e uma equipe apresentou um vídeo de anúncio de serviço público liderado por estudantes e a criação de um “Compromisso ”. O banner com o compromisso de não “vaporizar” foi trabalhado por todos os alunos da escola.

A equipe dos professores e a administração forneceram um alto nível de apoio para capacitar programas que transmitissem e refletissem a voz dos alunos.

Depois disso, em uma iniciativa verdadeiramente comunitária, a escola conectou-se com a biblioteca local que já possuía um programa de cessação do uso do vape para os alunos que admitiram ou foram pegos com vape na escola. O Departamento de Saúde do Condado foi à escola realizar assembléias para aumentar a conscientização sobre os perigos do uso dos cigarros eletrônicos. Ao colaborarem com a biblioteca e o departamento de saúde, os alunos perceberam que a sua comunidade se preocupava com os mesmos problemas com os quais eles lidavam e que podiam encontrar apoio fora dos muros da escola.

Dando aos alunos a oportunidade de liderar, a escola teve um alto envolvimento dos estudantes na abordagem sobre os perigos da vaporização e fez grandes avanços para facilitar a cessação do uso.

Apoiar-se na liderança estudantil dá mais peso à voz e à experiência dos alunos e também apoia os professores, funcionários e administração em seus esforços.  É um verdadeiro exemplo de construção coletiva de solução onde os adultos (professores e gestores) colaboram e realizam as coisas “com os alunos”.

Isso contempla também o chamado “processo justo” que ensina que as pessoas têm mais probabilidade de acompanhar mudanças e novas políticas quando estão verdadeiramente engajadas em um processo de tomada de decisões, quando sabem que suas opiniões foram ouvidas, quando sentem que a justiça foi feita.

E vocês, estão preparados para falar sobre isso?

Fonte: Restaurative Works, 2023 year in review. Publicação do Internacional Institute for Restaurative Practices – IIRP.edu

Proteja-se do assédio moral no ambiente de trabalho: Conheça medidas preventivas e práticas restaurativas

Hoje, 02.05, é o Dia Nacional de Combate ao Assédio Moral, uma data importante para conscientizar, prevenir e combater a violência psicológica ou física no ambiente de trabalho. O assédio moral se caracteriza por atitudes abusivas repetitivas que afetam a dignidade do trabalhador, como xingamentos, apelidos desrespeitosos, isolamento, exigência de metas desproporcionais, espalhar boatos, dificultar promoções entre outras.

Geralmente a situação de assédio parte do superior hierárquico e vitima o subordinado, mas isso não é uma regra, pois também pode ocorrer entre colegas ou mesmo partir dos subordinados contra a chefia. Independentemente de como ocorra, o abuso traz sérios danos à saúde ao assediado e também àqueles que convivem com ele, como os colegas de trabalho, os familiares e os amigos.

Várias enfermidades podem ser desencadeadas, a depender da intensidade e frequência da violência e das pessoas envolvidas, como:

  • depressão,
  • insônia,
  • diminuição da capacidade de concentração e memorização,
  • irritabilidade constante,
  • baixa autoestima,
  • aumento de peso ou emagrecimento exagerado,
  • aumento da pressão arterial,
  • inflamação no estômago,
  • palpitações,
  • tremores e
  • síndrome de burnout.

Em casos severos, pode levar ao suicídio. O assédio não prejudica apenas a saúde do trabalhador, mas também afeta negativamente o clima institucional, a produtividade e a imagem da empresa/instituição.

A prevenção do assédio nos ambientes laborais passa pela informação (promoção de palestras, oficinas e cursos sobre o assunto) e pelo incremento de uma comunicação assertiva.

Quando as pessoas se comunicam de maneira clara e direta, reduz-se a possibilidade de mal-entendidos e conflitos, o que pode ajudar a evitar comportamentos abusivos. Uma comunicação sem julgamentos que valorize as necessidades e sentimentos de todos incentiva o respeito mútuo e a empatia criando um ambiente de trabalho mais harmonioso e acolhedor.

A prevenção passa, também, pela criação de espaços seguros de diálogo onde se possa discutir abertamente sobre o tema e seus impactos nas relações de trabalho. Um espaço onde as pessoas se sintam à vontade para falar sobre suas experiências sem medo de retaliações. Um espaço onde as vítimas possam se sentir acolhidas e recebam apoio emocional e também um espaço de conscientização sobre os danos advindos destas condutas violentas, a fim de que não se perpetuem.

Os círculos de construção de paz, cada vez mais utilizados na gestão de pessoas, podem ser fundamentais para que essas conversas aconteçam e para a criação de uma cultura organizacional não violenta, que valorize o respeito e a dignidade de todos os trabalhadores, tornando o ambiente laboral mais seguro e saudável.

Segurança psicológica no ambiente laboral é sinônimo de efetividade.

Quando o ambiente de trabalho é leve e seguro, quando os colaboradores têm espaço para serem eles mesmos, quando há conexão e pertencimento, apoio e cuidado, isso possibilita que exerçam melhor as suas funções e com melhores resultados.   A inserção na política de gestão da empresa/instituição dos valores e princípios da justiça restaurativa, do processo justo, do estilo relacional de liderança restaurativo (fazer com os outros)  podem ser fundamentais para a criação de uma cultura organizacional não violenta, que valorize o respeito e a dignidade de todos os trabalhadores.

Além destas medidas existem outras que podem ser tomadas para combater o assédio no ambiente de trabalho: criação de um canal de denúncias, treinamentos e capacitações para gestores e funcionários sobre o tema, a fim de identificar comportamentos abusivos e prevenir a ocorrência de novos casos; estabelecimento pelas empresas/instituições de políticas claras de combate ao assédio moral, com responsabilização para os agressores e medidas para proteger as vítimas.

Você já passou ou conhece alguém que já sofreu situação de assédio no trabalho? Acredita que as práticas restaurativas podem contribuir para o enfrentamento desta questão?

(Texto: Carla Grahl – idealizadora do @entre.círculos)

Os Círculos de Construção de Paz podem contribuir para a prevenção do bullying nas escolas. Quer saber como?

O bullying tem se tornado cada vez mais comum entre os jovens, especialmente no ambiente escolar. Esse fenômeno tem causado diversos problemas de convivência e tem acarretado consequências muito prejudiciais ao desenvolvimento de crianças e adolescentes.

Além de ser uma questão de convivência tem se mostrado um problema de saúde pública pois afeta diretamente a saúde mental dos estudantes que estão cada vez mais medicalizados.

Existem formas diretas e indiretas de ser praticada essa violência sistemática, mas dificilmente a vítima sofre apenas um tipo de agressão. O bullying pode ser manifestado de forma física, verbal, virtual, psicológica, moral e até mesmo sexual. A violência causada pelo bullying pode resultar em consequências preocupantes no decorrer da vida de quem a sofre, sendo ela física ou verbal.

Como ocorre na fase inicial da vida, que compreende a infância e adolescência, a intimidação sistemática acarreta vários problemas na construção da identidade das vítimas, que geralmente se tornam adultos inseguros, com baixa autoestima e com problemas de relacionamento, por carregarem consigo um estigma de inferioridade imposto pelos demais.

Em contrapartida, o que se percebe é que muitas escolas possuem dificuldades em lidar com as situações de bullying, não apresentando nenhuma alternativa de longo alcance. É como se ficassem só apagando incêndios sem conseguirem de fato estabelecerem um protocolo de prevenção e/ou enfrentamento.

Os círculos de construção de paz são uma ferramenta útil para prevenir o bullying e promover um ambiente colaborativo na sala de aula.

Para usar os círculos de construção de paz, é importante:

  • definir regras claras no início,
  • encorajar a escuta ativa,
  • discutir os efeitos negativos do bullying e
  • incentivar a resolução de conflitos.

Um bom começo é trabalhar a construção dos valores com a turma, através dos Círculos. Definir com os alunos o que é importante para uma boa convivência e traçar combinados para que estes valores estejam presentes na sala de aula.

Os princípios e valores das práticas restaurativas têm se revelado importantes nas escolas para criar uma cultura de diálogo, respeito mútuo e de paz. É importante ressaltar que elas não são soluções para todos os problemas, mas são ferramentas úteis a possibilitar uma melhoria nos relacionamentos.

As práticas restaurativas promovem mudanças diretas no campo das inter-relações; mostram aos envolvidos uma abordagem inclusiva e colaborativa, que resgata o diálogo, a conexão com o próximo, a comunicação entre os atores escolares, familiares, comunidades e redes de apoio; buscam a restauração das relações; ensinam as pessoas a lidar com os conflitos de forma diferenciada, pois ao desafiar tradicionais padrões punitivos, passa-se a encarar os conflitos como oportunidades de mudança e de aprendizagem, ressaltando os valores da inclusão, do pertencimento, da escuta ativa e da solidariedade.

A prevenção do bullying é um esforço contínuo de toda a comunidade escolar, professores, pais e alunos e, a boa comunicação é fundamental para garantir que todos se sintam seguros e respeitados.

(Texto de Carla Grahl do @Entre.Círculos)

Práticas restaurativas na volta às aulas: depoimento de uma mãe

Comportamentos desafiadores quase sempre escondem um pedido de ajuda!

A maneira que os professores processam e respondem aos comportamentos que aparecem em suas salas de aula é muito importante.

É preciso reconhecer quando os alunos estão demonstrando que têm dificuldades relacionais ou que têm necessidades não atendidas e saber como ajudá-los.

A forma como os professores apoiam ou não os alunos que pedem ajuda será determinante para o futuro destes jovens seja em termos de aprendizagem, seja na relação aluno-professor ou na relação entre os pares.

Na maioria das vezes os professores estão preocupados em vencer o conteúdo, dominar a turma cada vez mais agitada e não conseguem estar presentes para identificar os sinais de quando um aluno está precisando ser acolhido.

O mais fácil e comum é transferir o problema, mandar para a direção, chamar os pais, rotular o aluno que precisa ajuda como aluno difícil…

Alunos com necessidades relacionais não atendidas geralmente se manifestam de várias formas:

❤️ buscando atenção constante do professor, de forma positiva ou negativa, na maioria das vezes em forma de contestação, insubordinação ou displicência;

❤️ usando palavras que parecem pessoalmente ligadas ao professor como adjetivos ou apelidos depreciativos;

❤️ chamar o professor frequentemente ao longo da aula pelos motivos mais variados e na maioria das vezes desnecessariamente;

❤️ apatia, desinteresse, falta de atenção;

❤️ evasão, faltas frequentes e não justificadas, dores de cabeça, de barriga ou enjoos.

Como você reage com seus alunos quando percebe esse comportamento?

Existe alguma coisa que você pode fazer diferente daqui para frente?

Você acha que as práticas restaurativas podem ajudar no manejo destas dificuldades?

É preciso compreendermos que crianças e adolescentes têm dificuldades na regulação emocional e vergonha de se mostrarem vulneráveis e por isso não conseguem expressar com assertividade as suas emoções e necessidades.

Chamar os pais é necessário é indispensável mas se o professor não estiver consciente de que o comportamento reflete um pedido de ajuda para engajar a família no manejo  restaurativo, a tendência vai ser a família exagerar na cobrança através de ameaças e ou castigos para que o comportamento do aluno melhore e amenize a vergonha e o fracasso que os pais sentem ao serem chamados à escola.

Sim, as famílias também se sentem envergonhadas e vulneráveis ao perceberem que a escola não os chama para jogarem juntos o jogo restaurativo de responsabilidade mútua. A escola joga o jogo da culpa, transfere o problema e lava as mãos.

Em uma pedagogia restaurativa cabe à escola e aos professores a iniciativa de reconhecer e estar presente para oferecer espaços de escuta e acolhimento para alunos e famílias. E os círculos de construção de paz são uma excelente metodologia para o manejo coletivo destas situações, sem prejuízo das práticas restaurativas informais para abordagens mais individualizadas como:

  • as declarações afetivas,
  • reuniões informais para escuta e
  • acolhimento.

Este artigo é uma súplica de uma mãe que vivenciou tudo isso ano passado e não encontrou acolhida. De uma mãe restaurativa que se sentiu impotente, por vezes fracassada e envergonhada, mas que não desiste de estudar e de sonhar com uma escola mais humana e que respeite todos os alunos que pedem e precisam de ajuda independente do CID (classificação internacional de doenças)!

(Texto de Carla Grahl)

Como as escolas podem realizar um Círculo “Como ser um bom amigo”

Iniciando o ano letivo com os Círculos de Construção de Paz

 

CÍRCULO “COMO SER UM BOM AMIGO”

Um tema importante com o qual transversalmente podemos trabalhar valores como respeito e empatia. A escola é o nosso primeiro ambiente social depois da família e nesse ambiente aprendemos a confiar e a nos relacionar.

Por isso é importante começarmos o ano letivo falando de amizade.

O que é ser um bom amigo?

O roteiro do Círculo foi elaborado pela Catherine Cranston que recebeu pedidos para compartilhar o Círculo que realizou com as crianças da sua comunidade: “Como ser um bom amigo”. O roteiro que segue é apenas uma sugestão, lembre-se de adequá-lo a sua realidade.

 

Propósito do Círculo

Estamos aqui em círculo hoje para falar sobre “Como ser um bom amigo”. Ultimamente tenho percebido que alguns estão magoados e outros estão se sentindo excluídos. Portanto, vamos falar sobre isso hoje e apresentar algumas ideias sobre como ajudar com este problema.

 

Apresentar objeto da palavra e explicar a escolha

Escolha um objeto que faça sentido para o grupo.

(Saiba mais sobre o que são os objetos de fala)

Realizado o check-in, e as demais etapas como valores e diretrizes (se já não estiverem sido feitas com a turma) passe o objeto da palavra sugerindo que só fala quem estiver com o objeto na mão. Os demais são convidados a olhar para quem está falando para que ele saiba que está sendo ouvido e que a turma ouve com o coração aberto.

 

Perguntas norteadoras: 

  • Diz o nome de uma coisa que adoras no verão?
  • Achas que ter amigos é importante? ou é importante para ti ter amigos?
  • Sentes que tens amigos?
  • Ser um bom amigo é importante para ti?
  • És um bom amigo a maior parte do tempo?
  • Dê um exemplo de uma vez em que viu alguém NÃO ser um bom amigo. (Cuidado para não usar nomes)
  • Uau, estes são alguns grandes exemplos. Quando essas coisas acontecem às pessoas, como é que achas que elas se sentem? ou se essas coisas te aconteceram… como é que isso te fez sentir?
  • Agora que sabes como as pessoas se sentem quando essas coisas acontecem… o que podes fazer para garantir que as pessoas não se sintam assim aqui (e noutros lugares)? Vamos fazer uma lista de coisas que podes fazer AGORA/HOJE para mostrar que és um bom amigo.

 

Um dos alunos com papel e caneta escreve as respostas. Os facilitadores podem ajudar com isto, pois os alunos nem sempre têm a certeza de como escrever cada item da lista.

 

Fechamento e compromisso

Olhe para a nossa lista e diga qual delas você acha que pode fazer hoje ou num futuro próximo. (Muitas das crianças leem mais do que uma em voz alta)

 

Agradecer a participação de todos e explicar que vão publicar as diretrizes do que é ser um bom amigo na sala e que cada um dos seus pais receberá o cartaz por e-mail.

 

Sugestão final: Fazer um ou mais pós-círculos uma semana ou duas depois.

 

Observação: Eram 11 crianças neste círculo (5-12 anos) e durou 16 minutos. Com um grupo maior reduz o número de perguntas.

 

(Texto de Carla Grahl adaptado do texto de Catherine Cranston em livre tradução)

Elementos dos Círculos de Construção de Paz | Parte 2

O Objeto da palavra ou bastão de fala

Segundo aprendemos como a Kay Pranis o objeto da palavra é um elemento essencial dos Círculos de Construção de Paz.

Mas o que é o objeto da palavra?

É qualquer objeto que tenha significado para o grupo ou tenha relação com o tema que será tratado no Círculo. Pode ser uma pedra, um bastão, um bichinho de pelúcia, uma caneta entre tantos outros.

É um elemento essencial para os Círculos de Construção de Paz porque democratiza e aprofunda os diálogos dando voz e vez a todos. Nos Círculos, só pode falar quem está com o objeto da palavra na mão e quem não está, tem o poder de escutar com o coração.

E qual a sua origem?

Churinga | Museu do Amanhã RJ

A origem dos objetos da palavra ou bastão de fala remete a aldeias indígenas da América do Norte, mas observamos que várias culturas ancestrais também se utilizavam deste recurso em conselhos, contação de histórias, tomadas de decisão, cerimônias coletivas e até mesmo para ensinar os mais jovens.

É o caso do “Churinga” que está exposto no Museu do Amanhã no Rio de Janeiro. Esse artefato dos aborígines australianos de aparência enigmática, é, na verdade, uma ferramenta. Contudo, não serve para furar ou cortar: trata-se de um utensílio simbólico que serve para os anciãos contarem aos mais jovens as histórias, os mitos e as lendas que compões o coração de sua cultura.

Um convite para falar com o coração…

O objeto da palavra representa o poder da fala e o respeito por todas as pessoas. Assegura a quem está falando a liberdade de falar sem represálias ou humilhação, legitimando seu ponto de vista. Ele traz implicitamente a coragem, a força e a sabedoria para falar com o coração, para cada um trazer a sua verdade.

Quando uma conversa é orientada por um objeto da palavra as pessoas tendem a falar com mais intenção e além disso, todos que ouvem são instigados a escutar atentamente. O objeto da palavra traz segurança para o diálogo ao evitar interrupções e ampliar os silêncios. Desta forma as pessoas se sentem mais à vontade para trazer as suas vulnerabilidades, gerando mais empatia e conexão. Mostrar-se vulnerável e expor fragilidades causa uma resposta imediata em quem escuta, abrindo os corações de todos.

Por que o objeto da palavra é indispensável nos Círculos?

  1. Porque ele distribui o poder;
  2. Convida os participantes a escutar mais do que falar;
  3. Permite a livre manifestação de todos, incluindo os mais tímidos;
  4. Materializa a igualdade no Círculo, todas as vozes tem o mesmo valor;
  5. Traz mais presença;
  6. Controla a ansiedade de falar sem refletir;
  7. Reduz o controle do facilitador.

A medida que o objeto da palavra passa de mão em mão, tece um fio de conexão entre os participantes do Círculo. Permite a expressão completa das emoções, reflexão atenciosa e traz para a conversa um outro ritmo, encorajando os participantes a desacelerarem e a estarem presentes com eles mesmos e com os outros.

(Texto de Carla Grahl inspirado nas lições de Kay Pranis)

Elementos dos Círculos de Construção de Paz | Parte 1

A peça de Centro

Em tempos pós-pandêmicos, de encontros virtuais, temos relativizado a importância da peça de centro nos Círculos de Construção de Paz, mas ela não deixou de ser importante e penso que, nos Círculos presenciais, é uma peça indispensável.

Sabem por quê?

Usamos a peça de centro para criar um ponto de referência que dá o suporte para falar a partir do coração e a escutar com o coração. A peça de centro é normalmente colocada no centro do espaço aberto dentro do círculo de cadeiras. Normalmente, usa-se um tapete. A peça de centro pode incluir itens que representem os valores do eu verdadeiro, os princípios fundamentais do processo ou uma visão compartilhada do grupo.

As peças de centro seguidamente enfatizam a inclusão ao incorporar símbolos individuais dos participantes, assim como símbolos das culturas representadas no Círculo. O que quer que seja incluído no centro deve promover a sensação de acolhimento, hospitalidade e inclusão.

A peça de centro deve também reforçar os valores que fortalecem o processo. Os facilitadores devem estar muito atentos ao escolher objetos para colocar no centro, a fim de que não escolham algo que possa alienar um membro do Círculo. É muito importante que o facilitador explique o significado de qualquer objeto que tenha colocado no centro.

A peça de centro, além de materializar os valores e as diretrizes que são depositadas, também materializa o princípio da igualdade. Todos os participantes estão a mesma distância do centro. Num Círculos todos somos iguais!

Serve também como uma fonte de apoio à presença qualificada que se almeja. Quando o pensamento, por alguma razão, se afasta do Círculo, a gente olha para o centro e lembra imediatamente de onde estamos, com quem estamos e o que estamos fazendo, trazendo a presença de volta.

Por fim, o centro serve como ponto de fuga. Quando estamos vivenciando no Círculo alguma situação de constrangimento, vergonha ou outra emoção desconcertante e não queremos cruzar nosso olhar com o olhar dos demais participantes, baixamos os olhos para o centro, nos conectamos com o nosso melhor e nos fortalecemos para seguir em frente.

Com o passar do tempo, as peças de centro podem ser construídas coletivamente com cada vez mais representações do grupo e dos indivíduos no Círculo. Por exemplo, um Círculo pode começar com um tapete e um vaso de flores. Pode-se pedir aos participantes, antes da realização do Círculo, que tragam um objeto que represente um aspecto importante de suas vidas. Pode-se pedir aos participantes que se apresentem, que compartilhem o objeto que trouxeram dizendo o que significa para eles e, em seguida depositá-lo no centro. Na rodada subsequente, durante a discussão dos valores, os participantes podem escrever um valor em um papel e podem colocá-lo no centro. O centro agora terá o tapete original, as flores, os valores e todos os objetos trazidos pelos participantes. Uma peça de centro que inclua algo de cada participante é um símbolo poderoso, tanto de conexão e pontos comuns, como da riqueza da diversidade.

Os objetos do centro simbolizam o grupo, o processo restaurativo e o tema do encontro. Geralmente colocamos flores ou uma planta como símbolo do cuidado com a vida. Outros objetos representam o que o encontro almeja alcançar. Cada espaço é pensado em função dos participantes daquele círculo especificamente. Devemos ficar atentos ao grupo e ao lugar onde estaremos facilitando.

(Texto de Carla Grahl inspirado nas lições de Kay Pranis)

O quê está sendo praticado nos Círculos?

O Círculo é uma prática de democracia fundamental na qual as vozes são ouvidas e todos os interesses devem ser tratados com dignidade.

RESPEITO: No Círculo, a cada voz é dada a oportunidade de falar e cada participante é ouvido com atenção focada. Em um Círculo, cada perspectiva é valorizada como sendo significativa para aquela pessoa;

IGUALDADE: No Círculo ninguém é mais importante ou tem mais direitos ou mais poder do que qualquer outra pessoa participante. Mesmo que alguém escolha não falar, ninguém é invisível. No Círculo, as expectativas são as mesmas, tanto para os adultos como para os alunos;

EMPATIA E ALFABETIZAÇÃO EMOCIONAL: No Círculo nós estamos nutrindo e desenvolvendo a nossa capacidade de empatia – nossa capacidade de nos conectarmos e nos espelharmos nos outros. No espaço do Círculo, temos maior oportunidade de refletir sobre o que estamos sentindo e de falar sobre nossos sentimentos, muito mais do que em conversas normais;

SOLUÇÃO DE PROBLEMAS: A prática do Círculo implica na hipótese de que cada participante tem algo a oferecer e que a presença de cada participante é importante para o bem do todo. No Círculo nós agimos a partir da confiança que temos na capacidade inata dos seres humanos como seres coletivos para avançarmos por lugares difíceis sem a ajuda de especialistas;

RESPONSABILIDADE: Os Círculos são um espaço para praticar responsabilidade, tanto com palavras como com ações. A estrutura física de um Círculo engloba um tipo de responsabilidade não-verbal. Não há como esconder-se por trás de uma classe e, ninguém senta atrás de ninguém;

AUTOCONTROLE E AUTOCONSCIENTIZAÇÃO: Os participantes têm de esperar a sua vez de falar, escutar sem responder imediatamente e retardar sua própria necessidade de falar. Esse não é o jeito usual de conversar. É preciso muita autodisciplina. cada participante está exercendo autocontrole para que o Círculo seja possível;

(Círculos em Movimento, Kay Pranis e Carolyn Boyes Watson).