Cada aluno e cada adulto se beneficia com a prática circular realizada regularmente. Por quê?

Texto elaborado por Kay Pranis para as escolas.

Traduzido por Fátima De Bastiani

 

Quando estamos sob estresse constante, não conseguimos acessar a parte superior de nossos cérebros para trabalhar com nosso melhor pensamento e criatividade em nossas iniciativas. E isso acontece tanto com os alunos como com os professores. Nessas condições, seres humanos tornam-se rígidos, reativos e descontrolados em suas respostas ao que está ocorrendo em seu ambiente. O padrão de estresse se autorreforça. À medida que o estresse cresce, o desempenho declina e produz mais estresse que, por sua vez, vai limitar a capacidade ainda mais. Esse ciclo tem consequências devastadoras para alunos e educadores, criando um ciclo de agravamento da geração de desencadeadores e da reatividade entre alunos e adultos nas escolas. Esse estresse está presente em todos os tipos de escolas que estão lutando contra resultados baixos nos testes ou com desafios de comportamento crônico.

Nós precisamos ser intencionais na quebra desse ciclo. A prática dos círculos e da mindfulness, atenção plena, trazem uma grande promessa para mudar esse ambiente de estresse persistente. Como estou mais familiarizada com os processos circulares, é sobre eles que falarei em detalhe, mas quero também enfatizar a importância da mindfulness. Essas duas práticas são parceiras fortes.

Gostaria de observar aqui que a prática dos círculos emergiu inicialmente como resposta às dificuldades com comportamentos. Entretanto, o círculo não é só uma estratégia de intervenção, mas é também uma estratégia de construção de comunidade que previne as dificuldades com comportamentos inadequados. Em última análise, acredito que a prática do círculo é ainda mais importante no seu potencial para fortalecer relacionamentos e construir uma cultura de cuidado mútuo do que em seu potencial para resolver conflitos e danos. O círculo é uma ferramenta poderosa para a transformação cultural, para mudar como os membros de uma comunidade tratam uns aos outros todos os dias, durante o dia todo.

Um dos sinais de estresse persistente é a pressa, movimentar-se constantemente, sempre correndo, nunca há tempo suficiente… Quando realizados de forma apropriada, os círculos criam um processo de DESACELERAÇÃO acentuada. Uma cerimônia de abertura dá início ao processo de DESACELERAÇÃO, envolvendo os participantes num espaço diferente do usual. O objeto da palavra desacelera o diálogo para criar um espaço de interação mais reflexivo do que reativo entre os participantes, que assim não precisam ser rápidos com suas palavras, suas respostas. Eles podem usar o tempo necessário para organizar seus pensamentos, acessando o pensamento mais complexo.

Nessa DESACELERAÇÃO alunos e educadores podem respirar mais profundamente, ficar mais conscientes do que está ocorrendo dentro de si mesmos e responder ao que quer que seja dito de uma maneira mais cuidadosa e ponderada com mais profundidade e insight. A ansiedade diminui, aumentando o raciocínio mais claro. Uma professora de matemática do Ensino Médio descobriu, já depois de seu primeiro círculo, que a prática desacelera tudo, e diminuiu de forma significativa a ansiedade que seus alunos demonstravam na aula de matemática. A redução da ansiedade não só é mais saudável e mais agradável: produz aprendizado mais eficiente.

O estresse molda o comportamento tanto dos educadores como dos alunos, mas, de maneira típica, nenhum dos dois percebe o quanto o estresse impacta suas ações e pensamentos. Muitas escolas vêm se tornando espaços sem muita alegria. A estrutura do processo circular ajuda-nos a desacelerar e a reduzir esse estresse, fazendo com que as escolas sejam lugares onde a alegria é possível.

A prática do círculo também é extremamente eficiente para promover o aprendizado socioemocional. Cada círculo, independente de seu objetivo (celebração, aprendizado, construção de comunidade, cura ou resolução de conflitos) desenvolve habilidades socioemocionais. O ritmo mais lento do círculo ajuda os participantes a estarem mais conscientes de seu próprio diálogo interno – os sentimentos e pensamentos passando por esse processo interno. Como os participantes não podem falar sem o objeto da palavra, o cérebro fica menos preso, já que não precisa pensar no que responder a quem está se pronunciando no momento, e uma parte maior do cérebro está disponível para escutar e perceber seu próprio diálogo interno.

Quando um participante está com o objeto da palavra, tem tempo de colocar seus sentimentos e pensamentos em palavras, sem pressa. Isso aumenta a habilidade de perceber e articular sentimentos. No processo coletivo, os participantes escutam os outros falarem a respeito de seus sentimentos – o que aumenta seu vocabulário e imaginário para expressar seus próprios sentimentos. Ouvir como os outros verbalizam o que sentem aumenta a empatia, desde que o ouvinte não se sinta atacado. Os círculos criam um espaço de fala honesta sobre mágoas e dores sem envergonhar nem atacar.

Os círculos promovem a autorregulação, o autocontrole. A disciplina do objeto da palavra requer autorregulação. A vantagem de se disciplinar e de não falar enquanto outra pessoa está com o objeto da palavra é o poder que vem com esse objeto quando chega a sua vez. O objeto da palavra distribui o poder em torno do círculo, permitindo que cada pessoa sinta poder pessoal positivo quando o tiverem em mãos. Os jovens aprendem que é possível sentir poder pessoal sem tirar o poder de outra pessoa – e essa é uma habilidade socioemocional importantíssima.

A oportunidade de compartilhar sentimentos difíceis com frequência libera o poder que esses sentimentos têm de moldar comportamentos. Uma vez expressados num ambiente relativamente seguro, esses sentimentos causam menos sensação de aperto na pessoa. Falar sobre nossas frustrações, sobre o que nos incomoda, nossos medos, pode trazer alívio emocional, permitindo que a função de nosso cérebro saia da amígdala e vá para o córtex superior. Quando facilitados com cuidado, os círculos podem criar o nível de segurança necessário para o alívio emocional.

Os processos circulares promovem o sentido de responsabilidade coletiva que é uma necessidade dolorosa em todos os setores de nossa sociedade. No círculo, o impacto do comportamento individual no coletivo fica mais visível. Por outro lado, o impacto do comportamento coletivo no individual também fica mais visível. Com uma visão mais clara do impacto interativo e com a distribuição de poder criada pelo objeto da palavra, conseguimos acessar a sabedoria coletiva para vivermos bem juntos de modo que haja respeito e equilíbrio no atendimento às necessidades individuais tanto quanto às coletivas.

Com o poder aumentado, aumenta a responsabilidade. A prática do círculo encoraja a responsabilidade compartilhada para a qualidade dos relacionamentos e do ambiente numa escola. Todos são responsáveis – não só os adultos. A prática envolve essa responsabilidade ao convidar os alunos a identificar os comprometimentos compartilhados que são necessários para a boa convivência, e a engajar os alunos para a busca coletiva de soluções numa atmosfera positiva, quando alguma coisa não está funcionando na dinâmica da sala de aula.

São tempos difíceis de se trabalhar em escolas. Ao mesmo tempo, são tempos de esperança incrível para se trabalhar nas escolas. As escolas são uma instituição socializadora chave nas sociedades modernas. Geralmente são a instituição mais importante fora a família. Consegue-se mudar hábitos culturais de maneira eficiente, mudando o que está acontecendo no processo de socialização da próxima geração.

As ameaças às sociedades modernas não são a falta de habilidades matemáticas ou de leitura. São o resultado da falta de habilidade para conviver bem, das habilidades para construir uma cultura de paz. Ensinar as habilidades para a boa convivência é tão importante quanto ensinar a leitura e a matemática. E resulta que a habilidade de conviver bem torna-se o alicerce para uma escola bem sucedida.

As escolas apresentam várias vantagens no processo de mudança de hábitos culturais:

  • São unidades comunitárias menores e bem definidas, o que faz com que mudanças coerentes sejam mais fáceis de promover.
  • Escolas são comunidades em que o mesmo grupo de pessoas, mais ou menos, está junto durante muitas horas, o que proporciona tempo e oportunidades significativas de praticar novos comportamentos.
  • As crianças e jovens aprendem hábitos novos mais facilmente do que os adultos – e têm menos hábitos a desaprender.
  • Crianças são embaixadores naturais, levando novos hábitos para dentro de suas casas. A disseminação das práticas ocorre de forma orgânica na família e na vizinhança.
  • O impacto dos novos hábitos pode ser observado mais rapidamente devido ao tamanho e coerência das comunidades escolares, dando feedback e reforço para motivar os esforços contínuos.

Mudar hábitos é muito difícil. Geralmente não basta desejar uma mudança, nomear a mudança e ter uma intenção. Com frequência necessitamos de estruturas que nos ajudem a praticar o novo hábito, até que não precisemos mais da estrutura. O círculo é justamente isso: um espaço para que se pratique o estar juntos num ritmo mais lento, mais reflexivo, tendo por base os valores com o objetivo final de aprender a conviver em harmonia – mesmo quando não estivermos sentados em círculo. O objetivo final do círculo é viver bem juntos. O círculo, então, é um espaço para que pratiquemos esse jeito de ser e de estar, até que se torne um hábito, uma rotina e o façamos sem precisar da estrutura de apoio que é o próprio círculo.

É assim que se transforma uma cultura – praticando um novo jeito de ser, até que se torne natural fazê-lo. Educadores estão na posição mais poderosa para que nos movimentemos em direção a uma cultura de boa convivência. Não existe trabalho mais importante que esse!